2.2.07

 
O Monstro do Lago Fitness,

Apesar da ciumeira autêntica que nosso artificial
Paranoá pode apresentar, e dos guitar-heroes que se
rasgam em distorções no tradicional Estúdio Lochness,
dou meu depoimento sobre o tal monstro.

Perto das seis da matina, horário de verão, ou pior,
horário de escuridão total. Após seus roncos
costumeiros, que arrepiam os moradores dos sobrados da
W3, ele se levanta, desnorteado (posto que se entoca
na Asa Sul). Cego pela escuridão da madrugada e pelo
astigmatismo-míope que carrega, se arrasta até o
banheiro, sem esbarrar nas portas - que foram
arrancadas pela sua cauda, desde sua infância.
Incomodava-o, naqueles tempos, ser o último-da-fila na
entrada da sala-de-aula. Além da Ordem e Progresso e
ordens-do-dia, tinha que aguentar a ordem de altura -
coisa do militarismo?

Finalmente no banheiro, veste as lentes-de-contato,
mesmo com os olhos fechados - uma proeza digna de um
monstro. Ao resto do espelho, só resta olhá-lo de
forma desdenhosa. Aquele aspecto não lhe causa mais
qualquer espanto. O monstro reflete no espelho e sente
o cansaço de refletir. Sua juba é um misto de
Elvis-não-morreu com Bozo com Hebe. Fios brancos
atestam a idade mônstrica. Ele não gosta de
aniversários e não se lembra do dia que nasceu. Ele
não gosta de lembrar de absolutamente nada, ainda mais
essa hora. Despenca pela escadaria deixando em cada
degrau um pedaço do pesadelo passado. O espelho fica
feliz em refletir um quadro que ele gosta.

Solta um raio infra-vermelho e arrasta as grades
herméticas da caverna - o Monstro é irremediavelmente
tecnológico e hermético. Sai rodando, pois até
monstros no DF têm quatro rodas. Escuro. Seus olhos
enxergam mal no escuro. Lembra do feijão preto,
estocado no freezer. Dadá alimentou o Monstro com
feijão-preto e broncas. Foi o Monstro que levou Dadá
ao hospital nas duas únicas vezes que Dadá foi
atendida. O Monstro não gosta de hospitais. Na
primeira, Dadá sobreviveu à cirurgia do fêmur e voltou
a andar, fazer feijão-preto e dar broncas no Monstro.
Na segunda, se afogou no próprio pulmão. O Monstro
chorou, mas só o espelho viu, sem se importar com
aquilo. Tentou fazer um poema, mas esqueceu as imagens
que criou. Monstros não fazem poesia. O estoque de
feijão-preto está no fim. O Monstro deve estar no fim
também. Ele não sabe bem de que. Ele sabe pouco.

Por isso, o Monstro deu para se preocupar com a saúde.
Chegou na academia, por volta de 06:10. Só o Monstro e
malucos (pensa ele) freqüentam academia essa hora. A
bicicleta estacionária já o esperava. O professor
manda, o Monstro executa. Pensa nas calçadas da 102
sul, onde pedalou e pedalou. O monstruoso coração do
Monstro, suporta bem o esforço. Como não carrega
sentimentos dentro, é uma máquina otimizada para
funcionamento adequado do Monstro. Terminado o passeio
estático na sala envidraçada, o Monstro carrega pesos
e puxa cabos-de-aço por roldanas, em sala ladeada por
espelhos e vaidades. O Monstro se lembra de motéis,
depois se esquece, como de costume.

O Monstro não entende porque está ali, nem o fato de
que todas as fêmeas no recinto espelhado não
aparentarem necessitar estar ali. O Monstro precisa.
Ele acha que precisa. O Monstro entende pouco de si e
do mundo a sua volta.

Vai para o alongamento. Estica tanto que deseja matar
o professor. Depois esquece disso. Volta para casa
pedalado, marombado e esticado. Bate a cabeça no
varal, no lustre, e se aproxima do freezer, ávido por
um congelado de feijão-preto...

(dedicado à Marcya Reis)

Eric Germano - 02-02-2007


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:o)
 
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