17.6.05

 
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Cacos

Já estou de vidro novo, e a cicatriz de fios coloridos no painel ainda me causa certa raiva. Pratico agora direção silenciosa, ouvindo meus pensamentos; não sei mais das notícias, nem sempre boas, sobre o Brasil. Não posso mais mudar de estação quando algo me incomoda, mas mudo de faixa, costumeiramente, quando algum lerdo ou desocupado da vida insiste em impedir minha trajetória. Vermelhos, amarelos e verdes passando, as asas ficando para trás, onde deviam estar...

Acho que paguei 170 naquele auto-rádio-K7; gastei outros 50 no reparo do vidro. Hoje, andei de ônibus duas vezes, na ida e na volta da oficina-vidraçaria; que misteriosamente, estava vazia quando cheguei, por volta de 9:30. Trocou de dono - antes era do irmão do Lourenço, que parece-me, deixou de ser vidraça e pode ter virado pedra...

Tive uma manhã calma, aprendi algumas dicas. Andei de ônibus hidramático, cujo motorista exibiu uma pilotagem dramática. No seu headphone, devia estar tocando alguma música para dor-de-cotovelo, pois ele descontou no bólido e nos desavisados passageiros.

Depois do almoço, quando estava a estacionar, vi o lavador de carros, a quem doei um boné, para o sol cáustico desses dias frios. Engraçado, não sei o nome dele. Atrás do meu carro, parou desanimado catador de papelões, papéis e toda sorte de restos de empresas e pessoas. Figurino digno dos últimos dias da humanidade que estão por vir, grunhiu de sua boca de dentes ausentes, um pedido de vinte centavos... como a Casa da Moeda não distribui devidamente nesse desigualBrasil, e nem ouve a voz das ruas que clama por moedas não forjadas de 20 cents, vasculhei meus bolsos pelo vil metal. Ia buscar no carro, mas ter que rever a ferida no painel me fez desistir.

Acabei achando uma moeda de 1 real, aquela prata-ouro, na minha calça multi-bolsos. Ela refletiu o sol quando passada para a mão do catador, que agradeceu, desejando coisas boas para minha família. Pensei na família dele e pensei no meu expediente. O vidro foi sanado, os cacos, aspirados. O toca-fitas se foi, levando dentro de si uma fita do WES, sucesso em Camarões e raríssima nessas pairagens. A moeda se foi. Tranquei o carro. Conferi as portas, como de costume. Ficou o sorriso sofrido do catador de papéis, que agora carrego comigo, e ninguém pode roubar...

Comments:
Poxa primo, nao entendi bem o que houve... mas foi dramatico e eu adorei! adoro como vc escreve e estou numa fase de leitura procurando me entender cada vez mais... estou numa fase dificil e de mudanças... comprei uns livros de Rubem Alves e estou adorando...

Adoro quando ele diz: " Hoje eu sou feliz porque todos os meus planos deram errado"
...essa e a mensagem dele no livro "Se eu pudesse viver minha vida novamente"....


é isso,... depois me escreve explicando o que houve com o carro, o vidro... e o mendigo cadê?
beijos enormes...muita saudade!!!
 
Olá Erick...

Li todos os seus textos, ADOREI!!!!Tbm gosto mto de escrever...

Bjossss....Maria
 
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